Sobrevivi !

Mas Seu Zé e Dona Maria, ontem aconteceu uma coisa meio estranha com este amigo que vos escreve. Vixe, que começo mais meio formal pra falar sobre algo totalmente informal. Imagine o Sr. e a Sra. que ao chegar no trabalho, pela manha, bati o ponto (pois é, ainda se bate o ponto, eletronicamente é claro, mas ainda se bate o dito cujo) e, quando ia começar a primeira tarefa do dia, eis que me dou conta que estava sem o celular. Então, assim de cara, achei estranho, pensei cá comigo - Deve ter ficado no carro. Mas não estava no carro. E realmente constatei que o danado não estava comigo. E agora? Na minha frente o monitor do computador ligado, como se nada de mais estivesse acontecendo. Olhei para os lados, o movimento normal da manha de trabalho com seus barulhos típicos e todos os colegas ao redor, já em plena atividade. Ninguém, absolutamente ninguém, percebeu que eu estava sem o celular.

Comecei a trabalhar e de vez em quando levantava a vista pra olhar meus colegas. Ali na frente, uma atenta estagiária adolescente colocava papéis em ordem, tendo ao seu lado, um celular, que recebia carinhosos olhares (dela) entre um papel e outro. Ao meu lado, um concentrado colega, dialogava silenciosamente com seu monitor e um monte de papéis distribuídos desordenadamente em sua mesa (desordenadamente pra mim pois, pra ele estava em rigorosa ordem), tendo a sua frente, servindo de peso de papéis, um modernoso e cultuado celular ultimo tipo. Um pouco mais a frente, outra colega conferia itens no seu monitor e confrontava-os com alguns documentos, enquanto o seu celular deitava tranquilamente em baixo de uma folha de papel em branco.
Quanto mais eu olhava de mesa em mesa, colega por colega, também percebia o inseparável companheiro celular obedientemente próximo ao seu dono, como um escoteiro fiel, sempre alerta, sempre pronto pra ser usado.
- Misericórdia - pensei,-  como estaria aquela adolescente, aquela chefe, aquele colega atento, aquele outro nem tão atento, como estariam todos eles e os outros e outras, caso tivessem esquecido o celular em casa? Estariam todos e todas normalmente sentados e concentrados nas suas tarefas ? Como estaria cada um, sem o celular, em mais um dia de trabalho ? Como reagiriam ao se depararem sem comunicação pelo inseparável companheiro eletrônico?
Voltei pra mim. E me vi sem celular mesmo. Só eu estava sem celular naquela manhã, sem que ninguém mais soubesse disso. Éramos somente eu e eu. Sem poder me comunicar com os outros, sem poder enviar ou receber mensagens, sem email particular a qualquer hora, sem internet ao alcance do bolso, sem minhas músicas preferidas, sem minhas fotos, sem minha câmera instantânea, sem meu gravador de voz imediato, sem minhas anotações...

O que a dependência não faz?
Não é possível ! Como pude esquecer meu celular ? E a culpa ? E o aperreio ? E a necessidade ? E se eu tivesse uma coisa ? E se eu precisasse falar com alguém ? E se alguém estivesse ligando pra mim ? E se alguém estivesse me enviando mensagens ?
E agora ?
Tomei uma decisão, respirei fundo, olhei pro monitor, comecei a trabalhar e a manhã passou. Saí pro almoço, voltei, e a tarde passou. Chegou a hora de bater o ponto da saída  (lembra do ponto?) e bati. Fui pra casa. Entrei em casa e encontrei o celular em cima de um móvel na sala. Olhei pra ele, segurei, olhei as ligações recebidas, respondi umas mensagens e deixei o dito cujo no mesmo lugar.
Passei o dia todo sem celular. E nem morri por isso.
Pois é Seu Zé, pois é Dona Maria, acho que de agora em diante vou esquecer o bichinho mais vezes e deixá-lo em casa descansando.

Comentários

As mais lidas