O sorvete e a ferrari
Numa tarde de sábado sem compromisso, estava eu tomando um delicioso sorvete de tapioca com pitanga, sentado em uma das cadeiras do lado de fora da sorveteria, quando chega uma Ferrari vermelha e estaciona numa vaga próxima, com seu barulho característico e aquele vermelho clássico. Evidentemente, todos os olhares dos meros mortais desferrarizados, de sorvete na mão, convergem para o dito cujo carrão, que pelo tamanho, nem é tão grande assim, mas, pela fama e visual, nem precisa falar muito.
Bom, carro estacionado, sai pela porta do carona, uma moça bonita e magrinha, de estatura pequena, com ar de riso e quase saltitante, como se tivesse muito afim de tomar um sorvete. Ou talvez, apenas mostrar que estava saindo de dentro de uma Ferrari. Ela foi pra o lado do motorista, esperar ele sair do carro. Como o lado dele ficou virado para a calçada, ao abrir a porta, um gritinho da moça, a porta bateu de leve na beira da calçada e não deu para o motorista sair do carro. Ele avisou que iria manobrar rapidinho pra poder sair do carro e ligou o carro novamente, fez a aquele barulho lindo, foi um pouco para frente, um pouco para trás, foi lá, veio cá, e tome acelerar, desacelerar, manobrar, pronto, conseguiu. Abriu a porta sem bater na calçada. Vi uma mão saindo do carro, segurando o capô e outra se apoiando na porta, e de repente outro gritinho da lânguida mocinha que esperava ali perto, o rapaz bateu com a cabeça na parte superior do carro ao tentar sair e voltou de novo a sentar no banco. Risinhos tímidos da moçoila. Novamente, outra tentativa, mãos se apoiando do carro e na porta e esforço pra sair do carro...nada. Os dois conversaram alguma coisa e a moça olhou pros lados, como se pesquisasse se alguém olhava. Nova tentativa para o rapaz sair do carro. Agora, uma perna do lado de fora primeiro, a mão esquerda pra fora, no ar, nova batida na cabeça, uma exclamação do rapaz – Porra – um riso sem graça da mocinha e a volta do rapaz a cair no banco do carro. Novamente. Silêncio. Eu já tinha terminado o meu sorvete, estava com a pazinha na boca, esperando o desfecho ferrariano. Ao olhar para os lados, notei a assistência: todos que estavam ali, permaneciam ali, também olhando e esperando como iria terminar aquilo. Cada um disfarçava como podia, um lambia mais devagar, outra arranjava mais conversa, outro mandou a criança voltar pros brinquedinhos mas, ninguém arredava um pé dali. Outra tentativa, os dois pés para fora do carro, um impulso, um raspão na testa, outra exclamação – puta que pariu – baixinho, mas todo mundo ouviu, e surgiu o herói da Ferrari, em pé, ao lado do seu carrão. Palminhas discretas da mocinha, ares de riso, suspiros gerais na assistência e um nem tão discreto – Que merda, nem caiu, não teve graça.
O casal entrou na sorveteria, cada um pediu um sorvete do tipo mais caro, sentaram discretamente numa mesa interna e depois de tomarem água foram para o carro. A garota entrou primeiro e acomodou-se no carro, enquanto o rapaz ficou ao lado da porta dele contemplando um minutinho. Muito provavelmente, estudando como entraria naquele carro lá em baixo, com a porta sem poder abrir demais para não bater na calçada. Enquanto isso, evidentemente, a assistência estava totalmente a postos, todos prontos para assistirem a segunda parte daquela aventura divertida. O único que tinha saído foi aquele que lamentou por não ter havido uma queda do rapaz na saída do carro. Minha solução foi ter pedido outro sorvete, agora de tapioca e cajá. Eu tinha que estar presente para verificar o desfecho dessa história. Parece que ele tomou a decisão e cumpriu as etapas, porta aberta, acocorou-se ao lado do banco, entrou com as nádegas, sentou e puxou as pernas pra dentro do carro, fechou a porta, ligou o carro, barulho inconfundível de acelerada de uma Ferrari. Quase um “Oh” na assistência e achei que ouvi umas rápidas palmas. Uma manobra rápida e sai a vermelha Ferrari. Várias pessoas se levantam, sem o menor disfarce pra sair, quando se ouve uma breve freada e um barulho como metal arrastando. Olhares em direção à rua. A maravilhosa e carmim Ferrari, balançava como gangorra no quebra-molas que havia logo depois da sorveteria. Quase outro “Oh” geral e todos que estavam saindo da sorveteria pararam imediatamente, como que esperando o próximo capítulo. Sim, ainda teria mais uma cena. De repente a saltitante e magrinha moça, sai do carro vai para trás dele e diz – Quando eu avisar vai – ela senta na traseira do carro e grita – Vai – o carro cola as rodas traseiras no chão e sai, passa a lombada, a moça salta da traseira, abre a porta, entra no carro e vão embora. Agora sim, palmas.
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